A propósito do encerramento da Exposição do Mundo Português há 80 anos
2 Dezembro 2020Partilhar nas redes sociais
Sobre a notícia
Publicamos o texto de Cottinelli Telmo em defesa da “Arquitectura Efémera” na
Revista ARQUITECTOS, Nº 6, Agosto / Outubro 1938
EXPOSIÇÃO DO ANO X
ARQUITECTO: PAULINO MONTÊS
ARQUITECTURA EFÉMERA (p. 161-164)
Arquitetura de exposições de receções, de visitas de soberanos estrangeiros, de festas – bem lhe podemos chamar «efémera». Construções concebidas de um dia para o outro – porque à sua natureza anda sempre ligada a ideia de velocidade, se não de precipitação – nasceram no meio de andaimes armados à lufa-lufa, depressa cresceram ou, pelo menos, à pressa foram concluídas, e fugitivamente brilharam para logo a seguir serem votadas à demolição.
De vida efémera – de geração acelerada.
Por mais largo que seja o tempo de que se dispõe para a sua realização, uma dúvida existe sempre, criada pela preocupação do fracasso – porque a data está fixada – pelo receio de que intervenham fatores estranhos a todas as vontades.
Atribui-se um prazo largo para a construção, mas não se confia nele, e então rouba-se ao período de conceção tudo quanto é possível e pede-se ao arquiteto, para amanhã, aquilo que se lhe deveria pedir para o mês seguinte ou para o ano próximo. Considero um caso único o que se deu com a Exposição de Chicago – «A Century of Progress» – de 1933 (?): os arquitetos dispuseram de cinco anos de estudos!
O rendimento do artista parece, porém, que é maior quanto maior for o seu sacrifício.
Reduzam-lhe o tempo, a verba, o espaço, dentro de certos limites, é evidente: a imaginação trabalhará mais acesa.
Os temas da arquitetura efémera são em geral grandiosos, gritantes, pedem linhas sugestivas, cor, movimento. As obras a que dão lugar podem ser o desabafo dos arquitetos que pela vida profissional fora não têm ocasiões frequentes de sonhar, como sonharam na escola, diante do projeto «arrojado» – manchado com as cores dos materiais raros que não se aplicam na prática, com os grandes céus de apoteose cortados pelas faixas de luz de projetores quiméricos – seja monumento ciclópico, a herói imaginário, que ninguém construirá, seja teatro de ópera que nunca abrirá ao público o seu magnificente «foyer» onde o coríntio é rei, seja biblioteca pública em cujos depósitos caberiam os volumes de todas as bibliotecas existentes.
Quer se trate de feira, quer de exposições de carácter grave, a sua arquitetura participa sempre do espírito que existe na composição de publicidade; é sempre cartaz. Pode a verba consagrada forçar o arquiteto a reduzir a metade a altura sonhada para o obelisco, o padrão, a colunata, ele não perderá o jeito de furar o céu, ainda que o movimento seja apenas esboçado, de gritar com a cor, de atordoar com qualquer nota desusada, «super-expressiva». E porque a obra é efémera, esforçar-se-á por que brilhe muito, justamente porque brilhará por pouco tempo.
A arquitetura efémera é uma espécie de aventura dentro da Arquitetura. Muitas das suas obras contêm mais rasgo e liberdade de expressão que aquelas destinadas a ficar e que foram «castigadas», «massacradas», pela obsessão de responsabilidade que cria no arquiteto, a ideia de serem para ficar. Porque o arquiteto nunca deixa de pensar no futuro das suas obras e nas efémeras o futuro confunde-se com o presente. Além disso a sua função limita-se muitas vezes a uma simples presença. Tal é o caso desta entrada que o arquiteto Paulino Montês projetou para a Exposição do Ano X.
A leitura de um programa faz nascer no nosso espírito uma primeira ideia que é geralmente a melhor, dizem. Quando a pretendemos exprimir materialmente, no papel, uma multidão de inimigos deforma-a, atravessa-se-lhe na frente, cria-lhe toda a espécie de obstáculos. Apesar de tudo conseguimos vencer; mas, se dispomos de tempo, por muita frescura que encontremos nessa primeira ideia, por muito que ela nos satisfaça, lançamo-nos por novos caminhos à procura de mais e melhor e perdemo-nos, muitas vezes.
Depois, o provisório aceita-se com entusiasmo ou indiferença, mas nunca com indignação: é para desaparecer! A própria indignação, se existisse, seria… efémera, cessaria com o desaparecimento da causa.
O arquiteto trabalha portanto, nos projetos desta natureza, com um máximo de restrições materiais, sim, mas com um mínimo de restrições de ordem espiritual. Não tem tanto que transigir com os outros, nem consigo próprio.
Na necessidade de caminhar depressa encontram todos – e ele próprio – uma justificação para a aceitação do primeiro relâmpago de inspiração. O ambiente lhe transmitirá aquilo que lhe possa ter faltado, porque essas obras não são para ver a sangue frio, como o palácio que um belo dia se descobrirá aos olhos do público, alinhado e grave, entre as construções de todos os dias que o rodeiam: essas obras vivem da luz artificial, do ar de festa, da música, da contribuição do povo em movimento. Os materiais empregados são sempre pobres: lida-se com eles sem escrúpulos. O «remorso» de se terem aplicado materiais «preciosos» numa obra sem beleza ou defeituosa, não existe.
Ao fixar pela imagem o que se destina a passar, parece, portanto, que praticamos uma traição… Sim – e não! A imagem não é uma ressurreição que estorve materialmente a execução de novos planos de urbanização: quanto às possibilidades que ela ofereça de perturbar a calma atual do autor da obra …(não temos receio, no caso presente!) pobre daquele que não encontre no passado alguma coisa para demolir!…
Cottinelli Telmo
NB a ortografia actualizada de acordo com o AO em vigor